"Nunca conheci quem tivesse levado porrada."

2006/05/26

Entrevista publicada...


Data: Fevereiro de 2006
Porque saiu de Portugal (realização profissional e pessoal, valorização profissional, desencanto perante a situação do país, outros)?
São varias as razões, embora não exista uma (razão) mais forte de que outra, mas que em conjunto fazem sentido. Destaco o facto de ter tido a sorte em ser aluno do Programa Gulbenkian de Doutoramento em Biomedicina. Abriu-me horizontes. Desafio de viver e trabalhar no estrangeiro, associado ao facto de desejar trabalhar com as pessoas mais competitivas da minha área de investigação. Foi muito mais realização profissional do que pessoal, pois tinha a minha vida perfeitamente estabilizada a nível pessoal. Na altura não me sentia desencantado com a situação do pais, consigo mais facilmente ver hoje defeitos em Portugal que na altura não conseguia identificar.

O que está a fazer em concreto, onde e desde quando?
Encontro-me no ultimo ano do meu Doutoramento. Em 2001 fui aceite como aluno no Programa Gulbenkian de Doutoramento em Biomedicina. Depois de um ano passado em Portugal com aulas, rumei aos EUA. Nos EUA estive cerca de dois anos em Ann Arbor na Universidade de Michigan, de seguida vim para Harvard, Boston.
Estudar os mecanismos associados ao crescimento de novos vasos sanguíneos (angiogenese) utilizando novos biomateriais como modelo de estudo. Desenvolvo um material bioactivo que permitira libertar células/proteínas/ADN em locais onde existem problemas vasculares, em concreto o objectivo final do meu doutoramento é tratar problemas cardiovasculares. Em suma, tendo combinar algumas ideias da engenharia com a biologia, Engenharia de Tecidos é a designação desta nova área de estudo.


Que diferenças encontra entre Portugal e os EUA (cultura, relações laborais, economia, empresas, produtividade, sociais)?
Diferenças são inúmeras. Os primeiros tempos (primeiro mês, pelo menos...) são sempre duros. É um choque. Tudo parece diferente e novo, com pouco sentido ou razão de ser... Mas ao fim de uns tempos, verifico que não existem assim tantas diferenças no quotidiano. Portugal (toda a Europa, reconheço...) absorve grande parte dos produtos “culturais” norte-americanos. Existem diferenças relativamente ao clima português, nunca me irei esquecer que sai do Porto com uns agradáveis 18 C e aterro em Detroit com uns “simpáticos” – 14 C... Começou logo ali o referido choque inicial.
Em termos sociais, os portugueses são mais afáveis e impulsivos, genuínos. Regra geral e no inicio de relações os norte-americanos são mais superficiais, necessitam de ser dissecados com o tempo, têm mais camadas.
Relativamente a diferenças profissionais, considero-os mais concentrados nos objectivos profissionais. São capazes de passar menos horas no local de trabalho e produzir exactamente o mesmo que um português geraria em mais horas. São muito do estilo das 9 ás 5, com apenas meia hora para almoço.


O que acha que contribui para o atraso actual de Portugal (educação, política, empresas, sindicatos, ausência de cultura de hábitos de trabalho, sistema universitário)?
Todos esses pontos (educação, politica, empresas, sindicatos) que refere contribuem para o nosso atraso. No entanto destaco dois que considero decisivos: educação e mentalidade colectiva.
Portugal partiu com uma desvantagem enorme (comparativamente aos restantes países do nosso espaço europeu) relativamente à educação. A educação deveria e deverá ser o objectivo prioritário de Portugal. O nosso sistema educativo era muito elitista e selectivo. A massificação do acesso ao ensino, nomeadamente ao ensino superior, era essencial, tínhamos números de licenciados muito reduzidos, faltando massa critica ao país. Felizmente isso aconteceu, contudo o crescimento em massa não levou a um crescimento em qualidade. A qualidade do ensino teve a tendência contraria ao aumento do numero de alunos. Em vez de se potenciar a multiplicação de ensino de qualidade, antes se dilui a qualidade existente. Hoje considero essencial apostar na qualidade, sendo para isso necessário alterar grande parte do nosso sistema educativo. Educação é palavra chave do nosso atraso, mas também será a solução da nossa recuperação e sucesso.
Existe ainda a mentalidade do “Chico-esperto” da “cunha” e enquanto a sociedade não começar a penalizar essa mentalidade, Portugal terá dificuldades em progredir.


Qual é o principal problema de Portugal (impostos, educação, descontrolo orçamental, peso do estado)?
Alem da educação que referi anteriormente, o peso do estado. Tal como muitos afirmam e eu concordo, o estado tem um peso exagerado na sociedade portuguesa. Não faz sentido nenhum.

O que mais o motiva e enaltece na função que estás a desempenhar?
Gosto de ciência. Gosto de ter liberdade para questionar algo e de seguida desenhar uma experiencia onde tento testar uma hipótese. É motivador saber que estou num laboratório de ponta a realizar um trabalho que poderá ser utilizado para curar pessoas num futuro próximo.

Pretende voltar? Quando? Para fazer o quê?
Tenciono voltar num prazo nunca superior a 5 anos. Espero voltar para continuar a fazer ciência, mas pode também acontecer que decida mudar de rumo na minha vida. Sou flexível e nada comodista. Gosto de desafios!

Como entende que cada vez mais jovens procurem uma oportunidade de emprego no estrangeiro?
Entendo como algo de saudável e positivo para Portugal. Nota-se que os jovens são mais ambiciosos e pretendem adquirir experiencia fora de Portugal. Considero que Portugal irá lucrar com o regresso de pessoas que se encontram fora, contudo acho que se deve recrutar pessoas para os lugares não por serem portugueses que estiveram lá fora, mas sim porque de facto são mais capazes e melhores profissionais.

Do que sente mais falta de Portugal?

Das relações pessoais que tinha em Portugal (família, amigos, ...). Do magnifico clima temperado que Portugal possui e da comida, sem duvida... Sinto falta também das caminhadas em frente ao mar em Vila do Conde, especialmente as nocturnas...




Entrevista para a revista Ideias e Mercados da autoria de Ana Margarida Leao.

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